É possível manifestar nossa svarupa (natureza verdadeira) sem sadhu-sanga?


Srila Bhakti Raksak Sridhar Dev-Goswami Maharaj

Resposta de Sri Srimad Bhakti Rakshaka Sridhara Maharaja :

  “A natureza da jiva é comparada a uma partícula atômica de consciência do sol espiritual, Sri Krsna. Nos granthas dos gosvamis a jiva foi descrita como a vibhinnamsha tattva, ou brahma.

O significado de vibhinnamsha tattva é que Bhagavan possui aghatana-ghatanapatiyasi shakti, a potência que faz o impossível se tornar possível.

Quando Bhagavan está equipado apenas com a Sua consciência atômica jiva-shakti, então nesse momento a Sua expansão (amsha) é denominada vibhinnamsha- jiva.


  No entanto, quando ao mesmo tempo Bhagavan está pleno com todas as Suas potências, então a Sua expansão é denominada svamsha. Desta maneira, as vibhinnamsha-jivas são eternas.

 É certo que os seus métodos de bhagavata-seva, seus nomes, formas e tudo mais são inerentes. No entanto, como elas estão encobertas por maya, a forma transcendental das jivas e as suas características permanecem ocultas. Pela misericórdia de Bhagavan, durante a atividade de realizar bhajana na companhia dos sadhus ela se libera de maya, então qualquer que seja o tipo de svarupa que ela tenha, esta svarupa se torna manifesta. Mas também é certo que sem sadhu-sanga a sua liberação de maya e a manifestação da svarupa são impossíveis.

 Portanto sadhu-sanga também é obrigatória e inevitável. Se considerarmos correto que a svarupa da jiva se torna manifesta de acordo com a sadhu sanga, então surgirão inúmeras discrepâncias. Por exemplo, mesmo com a associação com Sri Caitanya Mahaprabhu e Seus associados, os corações de Anupama Gosvami e de Murari Gupta não mudaram. Murari Gupta é considerado um parikara de Sri Ramacandraji, Hanuman. Por meio de hari-katha, Sriman Mahaprabhu demonstrou que, em comparação com Sri Ramacandraji, Krsna está adornado com muito mais doçura e além do mais, Krsna é o avatari, a origem de todos os avataras.

 Depois de ouvir Mahaprabhu, Murari fez o voto de abandonar Sri Ramacandraji e de fazer krsna-bhajana. Mas no dia seguinte, quando ele se aproximou de Mahaprabhu começou a chorar e disse: “Eu fiz um voto diante de Você. Eu ia fazer krsna-bhajana, mas não pude dormir a noite inteira. Ofereci a minha cabeça aos pés de Sri Ramacandraji e não posso abandoná-lO. Por outro lado, não posso transgredir a Sua ordem. Nas duas situações a minha vida irá me deixar!"

Enquanto falava ele caiu aos pés de Sri Mahaprabhu. Mahaprabhu o ergueu, o abraçou e disse: “Sua vida é muito afortunada. Você é um associado eterno de Sri Ramacandra. A maneira como você O está servindo é auspiciosa para você. Fiquei muito satisfeito ao ver os seus sentimentos de êxtase”.

 Por outro lado, Sri Caitanya Mahaprabhu se encontrou com Sri Vyenkata Bhatta, Sri Trimalla Bhata, Sri Prabhodananda Sarasvati e o filho de Vyenkata Bhatta, Gopala Bhatta em Sri Rangam durante a Sua viagem ao Sul da Índia. No contexto da discussão entre eles ,Sriman Mahaprabhu provou a proeminência da amabilidade de Vrajendranandana Sri Krsna deixando-os a par da doçura da forma e de outros atributos de Sri Krishna, conforme as declarações do Srimad Bhagavatam e de outras escrituras e como resultado disso, os corações deles se modificaram. Depois de aceitarem diksha do krsna-mantra todos eles se dedicaram a krsna-seva seguindo os sentimentos dos vrajabasis.

Nesse exemplo, cabe salientar que segundo a opinião dos nossos gosvamis, Sri Prabodhananda Sarasvati é Tungavidya-sakhi na lilade Vraja e que Gopala Bhatta Gosvami é Sri Guna-mañjari. Para o propósito de passatempos, os dois apareceram no Sul da Índia e estavam fazendo o seu sadhana-bhajana depois de terem aceitado diksha na Sri-sampradaya. Eles constitucionalmente eram gopis de Vraja. Apesar de eles terem sido iniciados na Sri-sampradaya no começo de suas vidas, pela influência da associação com Mahaprabhu eles foram atraídos pelo Sri Krsna seva. 


  Da mesma maneira, Sri Rupa e Sanatana contaram ao seu irmão mais novo, Sri Vallabha (Anupama) sobre a beleza e doçura da svarupa de Sri Krsna e finalmente sobre a superioridade dos Seus relacionamentos amorosos (prema vilasa). Eles também o aconselharam a fazer krsna-bhajana. Anupama ficou muito influenciado ao ouvir as palavras dos seus irmãos. Ele tomou diksha no krsna-mantra e expressou o desejo de realizar krsna-bhajana. No entanto, logo na manhã seguinte ele caiu aos pés dos seus irmãos mais velhos e disse chorando: “Vendi meu coração aos pés de Sri Raghunathaji. Por favor, tenham misericórdia de mim para que eu possa ver os Seus pés de lótus nascimento após nascimento. Meu coração se arrebenta simplesmente ao pensar em abandonar os Seus pés de lótus”.

 Sri Rupa e Sanatana ficaram muito contentes ao ouvirem as palavras do seu irmão mais novo. Eles o elogiaram, o congratularam e o abraçaram. Isso deixa evidente que sadhu-sanga auxilia na manifestação da svarupa da jiva, mas a sadhu-sanga não pode mudar a svarupa. Depois de dizer isso, Prapujya-carana Sridhara Maharajaji pediu ao nosso guripada-padma, Sri Srimad Bhakti Prajñana Keshava Gosvami Maharaja que falasse alguma coisa sobre esse assunto.

 Gurudeva então disse:“Tudo o que vimos e deliberamos sobre a literatura Gaudiya vaishnava definitivamente suportam a sua conclusão. A jiva tem a sua própria siddha-svarupa. O seu nome, forma e outros atributos são inerentes a ela e são todos eternos. Dentre as várias jivas individuais, cada uma delas tem a sua própria svarupa separada. Estando encoberta por maya, a jiva se esquece da sua identidade intrínseca. Quando por boa fortuna ela obtém sadhu-sanga e a misericórdia do Guru, maya começa a se dissipar gradualmente e a svarupa começa a se manifestar.

 Para ilustrar esse processo pode ser dado um exemplo natural. Diferentes tipos de sementes tais como a da manga, da jaca, etc. são semeadas na mesma terra na margem do rio e regadas coma mesma água do rio, recebem a mesma luz do sol e o mesmo vento, e no entanto, tipos de árvores diferentes vêm de sementes de tipos diferentes. Analogamente, tipos diferentes de frutas virão delas. Apesar de terem crescido e nutridas exatamente pelo mesmo solo, água, ar e luz solar, não é possível que todas elas deem os mesmos tipos de frutos. Também é verdade que sem água, ar, luz do sol e tudo mais, as sementes germinadas não podem manifestar completamente as suas formas potenciais inerentes.

 Por outro lado também é verdade que, apesar de expostas à mesma associação dos elementos naturais, diferentes tipos de sementes manifestam suas naturezas inerentes como diferentes tipos de árvores que possuem as suas flores e frutos característicos. Apesar desses aspectos não serem visíveis na semente, a mudinha, a árvore, as folhas, ramos, flores, frutos, aroma e todas as outras características estão presentes numa forma imanifesta ou latente, dentro da semente. É sempre assim que acontece.

 Da mesma maneira, o nome, forma, aspectos corpóreos, natureza e tudo mais que são características naturais constitucionais da jiva, estão incluídas numa forma latente ou imanifesta na constituição da jiva. Pela associação com sad-guru e vaishnavas,a essência de hladini e samvit surgem na svarupa da jiva e então qualquer que seja a forma constitucional que a jiva possua, ela começa a ser revelada gradativamente.

 Pode ser dado outro exemplo material. Na época astrológica de uma determinada constelação denominada Svati-naksatra, quando as gotas de chuva caem do céu cobre cinco objetos diferentes, sobre a ostra, bananeira, serpente, elefante e o casco da vaca, então em cada um desses agentes é provocado uma reação diferente. Na ostra é produzida a pérola, a bananeira produz a cânfora, a serpente produz uma pedra preciosa, o elefante produz a gajamukta (pérola da cabeça do elefante) e no casco da vaca é produzido a goracana de vaca. Nesse exemplo, um único tipo de água faz com que substâncias diferentes se manifestem devido a diferentes tipos de recipientes.

 Analogamente, pela influência da associação de um guru ou de um vaishnava, em diferentes discípulos se manifestam diferentes variedades de perfeição espiritual e de serviço em diferentes rasas. No Jaiva Dharma, Sri Vrajanatha e Vijaya Kumara ouviram tudo de um único guru, Raghunatha dasa babaji. No entanto, os seus respectivos gostos se manifestaram de maneira diferente. Apesar dos dois terem alcançado a perfeição, Vrajanatha alcançou a perfeição em sakhya-rasa e Vijaya Kumara alcançou a perfeição em madhura-rasa.

 De acordo com o Sri Brihad Bhagavatamrita, Sri Narada Gosvami e Sri Uddhava entraram em contato com Gopakumara e em primeiro lugar eles avaliaram que constitucionalmente ele era um parikara (associado espiritual eterno) em sakhya-rasa. No entanto, a sua sakhyabhava não mudou pela influência da associação de ninguém, nem mesmo com a de Sri Narada Gosvami, Uddhavaji, Hanumanji e de outros devotos.

 Se o serviço inerente individual pudesse mudar, então por que a svarupa de Uddhava não mudou devido à associação com as gopis? O significado confidencial é que, enquanto o sadhaka que está no estágio de prática não realiza a sua svarupa, então ele faz sadhana-bhajana de acordo com a sua associação.

 No entanto, quando os seus anarthas são eliminados, o seu humor inerente na forma de um gosto (ruci) particular começa a revelar a sua identidade. Ao notar esse gosto natural e os outros sintomas, Sri Gurudeva meramente indica o seu relacionamento e os onze tipos de bhava e desta maneira o capacita a fazer progresso em bhajana.

Ás vezes um sadhaka que tem por natureza uma rasa mais elevada pode se dedicar a um serviço ou adoração numa rasa inferior devido à associação com devotos que estejam em dasya ou sakhya-rasa. No entanto, mais tarde, quando ele não estiver satisfeito, quando alcançar uma associação superior e abandonar o humor anterior, ele alcança a sua bhava inerente.

 A opinião de Srila Bhaktivinoda Thakura, o Sétimo Gosvami, sobre esse assunto é bem clara. Na sua explicação do verso um do Sri Sikshashtaka, ele escreveu: “A concepção correta de svarupa-tattva da jiva foi dada no verso que começa com ‘ceto darpana marjanam’. A siddhanta de Sri Jiva Gosvami sobre esse assunto é que quando a Verdade Absoluta Suprema está equipada apenas com a soma total da jiva-shakti, então a Sua expansão diminuta é denominada jiva. Sri Baladeva Vidyabhushana, o compilador do comentário sobre o Vedanta Sutra denominado Sri Govinda Bhashya, também expressou a mesma opinião — ishvara é um ser supremamente consciente enquanto que a jiva é um ser com consciência diminuta.

Ishvara é eternamente radiante com todas as qualidades transcendentais auspiciosas ilimitadas. Ele tem um ahankara (ego) completamente puro. E é tanto a corporificação do conhecimento quanto do conhecedor.

 Da mesma maneira a jiva também tem a sua svarupa pura. A maior parte das qualidades de ishvara também estão presentes parcialmente na jiva. A jiva também tem um ahankara puro. Essa concepção não é oposta ao raciocínio porque as qualidades do sol também são vistas nas partículas atômicas da luz do sol. Analogamente as qualidades do paratattva também são observadas parcialmente nas jivas. Quando a jiva é contrária a Parameshvara, a sua svarupa pura é encoberta por maya. E de maneira inversa, quando ela se torna inclinada por Parameshvara, a cortina da potência de cobertura, maya, é aberta e dessa forma a svarupa pura da jiva e suas qualidades ficam expostas.

 Depois disso, imediatamente ela tem a percepção direta da sua svarupa. A partir desse siddhanta fica evidente que a jiva é uma partícula atômica infinitesimal de consciência. Ela tem uma identidade espiritual inerente, cinmaya svarupa. O seu ahankara puro, sua consciência pura, a forma pura, o método de serviço e tudo mais, também estão definidos na svarupa. Conforme a sadhaka-jiva vai ouvindo e cantando, a bhakti pura aparece em seu coração e a função da essência de hladini e samvit, que é conhecida como Bhakti-devi, remove-lhe todos os outros desejos e aspirações exceto a de servir Bhagavan. Depois de dissipar avidya (ignorância), as coberturas sutis e grosseira das jivas são destruídas pela função vidyavrtti da potência de conhecimento (samvit) e se manifesta o corpo transcendental puro,constitucional da jiva.

 Além do mais, para aqueles que são elegíveis para saborear madhura-rasa, seu corpo espiritual puro de gopi também se manifesta. No Prema Bhakti Candrika está declarado:'sadhane bhavibe jaha siddha dehe paibe taha'. “O siddha-deha apropriado é alcançado de acordo com o humor que é cultivado no estágio de prática”. E no Hari-bhakti-sudhodaya (8.51) encontramos a declaração: 'yasya yatsangatih pumsho manivat syat sa tad gunah.' “Assim como um cristal reflete a cor dos objetos que se encontram na sua proximidade, a natureza da pessoa estará de acordo com a associação que ela tem”. É necessário reconciliar essas duas considerações. O significado não é que a svarupa da jiva é como um cristal imaculadamente límpido e que a siddha-svarupa aparece de acordo com a associação.

 Devemos esclarecer que quando a alma condicionada se submete a atividades de shuddha-bhakti, tais como ouvir e cantar na associação de um sad-guru puro e dos vaishnavas,então nesse momento, por influência desta svarupa-siddha-bhakti, a impureza de avidya, dos anarthas e tudo mais começa a ser removida e uma semelhança (abhasa) das características naturais da alma começa a se manifestar.

  Srila Rupa Gosvami deu essa instrução para esse tipo de sadhaka:‘svajatiyasaye snigdhe' (Bhakti-rasamrta-sindhu 1.2.91) —“devemos nos associar com vaishnavas que são snigdha, que têm afeição por nós e que sejam svajatiya asaya, fixos no mesmo humor de serviço amoroso que aspiramos alcançar". Nessa ocasião, o diksha-guru ou o shiksha-guru, ao notarem as características do sadhaka, dão o ekadasha-bhava (os onze itens da identidade do corpo espiritual) como enunciados pela Sri-raganuga-marga para o avanço no caminho de bhajana. Dessa maneira, o sadhaka faz bhava-bhajana com o seu siddha-deha concebido internamente o que provoca a manifestação da sua siddha-svarupa.

 O Srimad Bhagavatam dá o seguinte shloka para ilustrar esse ponto:“Um tipo de vespa (bhrngi) confina uma lagarta a força em sua toca na parede e por pensar continuamente na vespa devido ao medo e à ansiedade, a lagarta se torna uma vespa.” (Bhag.7.1.28)

 Este mesmo princípio também se aplica em relação aos sadhakas de raganuga-bhakti.

 Na hora do sadhana, como eles vivem pensando em como servir a Sri Krshna e a Seus associados nos passatempos em seus corpos concebidos internamente,eles também se tornam totalmente absortos e finalmente, abandonam os corpos sutis e grosseiro e nascem em Vraja com o que corresponde aos seus siddha-dehas concebidos internamente e alcançam o mesmo tipo de serviço que anteriormente contemplaram. Desta maneira, o nome, aparência e humor constitucionais da jiva estão presentes e permanecem numa forma latente e imanifesta até mesmo no estado condicionado. Esta svarupa é meramente iluminada pela misericórdia de svarupa-shakti, especificamente pela adição da essência de hladini e samvit.

 No Bhakti-rasamrta-sindhu (1.2.2), Srila Rupa Gosvami escreveu: nitya siddhasya bhavasya / prakatyam hdi sadhyata “Não é que o sadhana proporcione algo inteiramente novo. Na verdade o sadhana é realizado exclusivamente para trazer a tona a manifestação desta bhava eternamente perfeita que está na svarupa da jiva”. Os vaishnavas ali reunidos firam extremamente deleitados em ouvir uma apresentação tão bem formulada.


Extraído do “A Misericórdia de Rupa Goswami” de Srila Bhaktivedanta Narayana Maharaja.